quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Santa Catarina, uma abordagem histórica

Santa Catarina é actualmente vista como a melhor onda dos Açores para a prática de bodyboard (opinião subscrita por alguns riders açorianos de renome) e uma das melhores de Portugal, comparável à meca de Pipeline, havendo uma concordância generalizada quanto à qualidade mundial desta onda, por parte de inúmeros surfistas e bodyboarders profissionais, fotógrafos, publicações internacionais como a “Stormriders Guide”, ou a revista de bodyboard Vert, que têm tido fotos, reportagens e inúmeras referências à onda de Santa Catarina, ao longo da última década.


Preocupação social

A preocupação com a onda de Santa Catarina já vem de longa data. No início dos anos 90, um movimento intitulado COCOVAMA - Companhia de Corredores de Vagas de Mar - foi o primeiro sinal de alerta quanto às alterações costeiras na Praia da Vitória: o Porto Oceânico desde 1985 e em seguida infra-estruturas industriais e de apoio à actividade portuária. A contrução deste porto eliminou uma série de ondas que quebravam em fundo de areia na baía da praia, sobrando até à actualidade apenas a onda da Ribeira de Santo Antão (chamada de Riviera entre a comunidade surfista local).
Santa Catarina já é surfada por locais há pelo menos 25 anos, e em 1986 já era vista como um santuário de surf, por surfistas como “Xico Martelada”, Carlos “Perna” Gouveia ou o carismático João Luís “Arquitecto” P. Santos, a que se seguiram surfistas como José Fernando Lima José Sousa, os irmãos Ricardo e João Freitas e mais recentemente, nos anos 90 Filipe Barata.



A questão da onda do Terreiro de São Mateus

Entre 2008 e 2009, uma grande pressão social foi feita para evitar graves danos à onda do terreiro, mediante a ameaça de uma obra costeira para “protecção” do novo bairro social. Foram apresentados projectos alternativos como a “Alternativa Feliz” do Arqº João Luís dos Santos e propostas para minimizar os efeitos caso a obra avançasse. Pessoas como Filipe Alves ou João Monjardino trabalharam arduamente de variadíssimas formas, reunindo assinaturas, organizando eventos, manifestações e divulgação nos media, no sentido de evitar o pior. A obra foi feita mesmo assim e a onda ainda lá continua, ainda que com algum backwash e menos segurança nas entradas e saídas.



Bodyboard em Santa Catarina

O bodyboard local surgiu no início dos anos 90 com riders como Filipe Lourenço e Carlos Moura, entre outros. A esta primeira vaga seguiram-se a meados dos anos 90 Carlos Leal e Tó Branco. Já no início deste século, surgiram Samuel Barcelos, Miguel Mendonça, Nelson Branco e Tiago Fagundes, entre outros. A atitude local sempre foi receber os visitantes numa óptica de “respeita e serás respeitado”, o que será confirmado pelos inúmeros praticantes de origem nacional e internacional que a visitaram.

A comunidade surfista local sempre se mostrou pouco ou nada interessada em receber competições ou eventos que fomentassem a exposição mediática da onda (argumentando o potencial aumento desmesurado do crowd e a perturbação da paz que sempre se viveu neste local, numa onda que pelas suas características, não permite muitos praticantes por sessão).



Ameaças à onda

Matadouro Industrial


Entre 2005-2007 deu-se a construção e instalação do parque de combustíveis da Ilha Terceira e do matadouro industrial da ilha Terceira, a escassos 100m da laje onde quebram as famosas ondas, na antiga pedreira do Cabo da Praia (que serviu para a construção do referido porto oceânico). O matadouro representou uma ameaça séria à onda logo de início por via das descargas de vísceras e sangue dos animais abatidos em quantidades na ordem dos milhares de litros por dia. Tais factos levaram à criação de um núcleo de força local, em parceria com movimentos cívicos, abaixo-assinados e associações de defesa do ambiente - Gê-Questa - conjuntamente com a comunidade local de desportos de ondas. Surgiu assim o movimento cívico intitulado SOS-CABO DA PRAIA, que recolheu assinaturas, organizou protestos, “meetings” de surf com o intuito de chamar a atenção dos media para o problema e sessões de esclarecimento com a comunidade local, que foram amplamente divulgados ao nível local. Referir a entrega de pessoas como Filipe Barata, Pedro Cordeiro e Sérgio Aparício. Alertou-se para o valor patrimonial não só desta onda como de toda a envolvente: a pedreira entretanto formou uma zona húmida com potencial turístico, um hotspot para observação de aves selvagens provenientes do Norte da América, sendo esta uma referência a nível europeu. Por outras palavras, foi apresentado o potencial da onda num contexto multidisciplinar, como o seguinte título de uma das acções atesta “Proposta de acções geradoras de recursos auto-sustentáveis para a orla costeira do Cabo da Praia, ilha Terceira – Açores”. Este movimento provocou a visita do antigo Secretário Regional da Agricultura e Florestas ao local, que garantiu que o matadouro estaria equipado com todas as condições para fazer face à sua actividade sem provocar problemas de saúde pública. Passados alguns meses a situação foi efectivamente resolvida e não mais esse esgoto perturbou nem manchou as águas de Santa Catarina.



Pescatum /Descargas a céu aberto


Por sua vez, um segundo esgoto proveniente do parque industrial e de uma indústria conserveira - a Pescatum - já vinha a ameaçar a saúde pública dos praticantes, por via de grandes descargas nauseabundas, desde o início deste século. Este é um problema antigo e que foi amplamente divulgado nos media locais e regionais. Foram feitos abaixo-assinados, queixas à Secretaria do Ambiente, à Autoridade Marítima, foram conduzidas reportagens para a RTP-Açores, RDP-Açores, e os jornais locais, Diário Insular e A União. O movimento tomou conhecimento de análises efectuadas ao local, cujos resultados nunca vieram a público.



Parque de Combustíveis do Cabo da Praia

Quanto ao parque de combustíveis, de interesse estratégico, também foi instalado na antiga pedreira do Cabo da Praia, aquele era de facto o local lógico para a sua implantação. Como a pedreira já tinha sido escavada demasiado profundamente e próxima à linha de costa basáltica, a água entrou via aquífero de base e formou-se uma nova zona húmida. Devido à erosão costeira, facilitada pelo tipo de material e pelas fortes tempestades de 2009 e 2010, surgiu uma "ameaça física" à integridade do parque de combustíveis, o que levou durante o ano de 2011 às obras costeiras de protecção, através de um molhe de protecção de cerca de 1km de extensão, obra realizada a cargo da APTG-Administração dos Portos da Terceira e Graciosa, actualmente Portos dos Açores (que detém a jurisdição terrestres da zona).


Criação da AST – Associação de Surf da Ilha Terceira

Em 2009, surge a AST - Associação de Surf da Ilha Terceira, a primeira instituição do novo século com voz activa no surf terceirense. Referir o impulsionador da primeira reunião pré-AST, anterior presidente da Gê-Questa, e membro da I direcção da AST, Msc. Orlando Guerreiro. Essa associação surgiu da necessidade de criação de uma organização oficial que defendesse os interesses da comunidade local de desportos de ondas perante as ameaças que existiam contra as ondas locais. A preservação das ondas e o assegurar de condições de segurança e saúde pública aos seus utilizadores constituem os seus objectivos máximos.


Actividades da AST

Entre 2009-2010 destaque para as inúmeras acções de limpeza costeira e “meetings” de surf realizados em parceria com associações locais de defesa do ambiente (Gê-Questa). Referir a vinda de Mike Stewart a São Miguel e à Terceira em Dezembro de 2009 (parceria AST/USBA-União de Surfistas e Bodyboarders dos Açores), como aliado na luta pela preservação de Santa Catarina. No âmbito desta deslocação a AST organizou uma sessão de esclarecimento sobre a onda, realizada na Casa das Tias do Vitorino Nemésio, Praia da Vitória. Nesta sessão, o Sr. Secretário Regional do Ambiente, Álamo Meneses, como convidado de honra, prometeu a resolução ainda em 2010 da questão dos esgotos tendo referido que "ou a fábrica fechava ou resolvia-se o problema dos esgotos".

Mike Stewart recusou-se a entrar na água devido ao esgoto, mas enalteceu a qualidade da onda e o potencial deste "recurso". Em 2010, foi exercida mais pressão mediática pela AST no sentido de se resolver o problema do esgoto, por via da provável interferência negativa na anunciada etapa do Mundial de Bodyboard.


A temida obra costeira, a maior ameaça


Já em 2011 iniciaram-se as controversas obras costeiras. A AST e a comunidade local de desportos de ondas reconhecem a necessidade desta obra. Contudo, todo o esforço comunicacional e negocial foi dirigido de forma a fazer-se a obra não afectando fisicamente a qualidade da onda. Há a referir o excelente diálogo AST/USBA com a APTG, que transmitiu desde o início do processo muita honestidade, transparência e vontade de atingir uma solução que não violasse os interesses de ambas as partes. Decorreram reuniões de trabalho AST-USBA no sentido de ter-se acesso ao projecto em papel. Após a consulta do projecto, constatou-se que caso fosse executado na forma inicial, traria consequências gravíssimas para a onda, nomeadamente a reflexão. Decorreu uma reunião de trabalhos com o engenheiro encarregado de obra que se deslocou a Santa Catarina com a onda a funcionar. O projecto foi reformulado recuando 10m no papel, situando-se no limite do zero hidrográfico. Os media foram alertados aquando do início repentino dos trabalhos e a obra foi acompanhada passo a passo, dia a dia, até ao seu términus. Apesar de toda a contra-informação e controvérsia gerada à volta desta obra, obteve-se a garantia por parte do Sr. Director Regional dos Transportes Terrestres de um mês inteiro de observação dos trabalhos para se ter a certeza que a obra não afectaria a onda. Assim aconteceu e desde o projecto inicial a obra recuou duas vezes para um total final de 13m, tendo sido dadas as garantias que recuaria ainda mais caso se confirmasse a interferência por reflexão (backwash). Nas semanas seguintes ocorreram várias ondulações superiores a 3m e não houve qualquer reflexão. A AST ficou satisfeita com as negociações, sendo este um exemplo de excelente comunicação, boa vontade política e entrega total de determinadas pessoas - a referir João Monjardino - que se empenharam e desdobraram para um final positivo para todos. A participação da USBA, nas pessoas do Arqº João Monjardino e Pedro Arruda e da Engª Conceição Rodrigues da APTG são referências obrigatórias além da AST, para o sucesso de toda esta grande operação.



Acrescentar que tudo isto remonta à COCOVAMA, e à luta, e em gratidão relembro o seu mentor, João Luís, que segundo os seus ideias lutou e fundou o movimento que também nutre esta luta. Dentro de poucas semanas se tudo correr de feição, Santa estará liberta (esperamos que permanentemente) dos desperdícios da indústria que rege a sociedade actual.

Forte abraço,

Carlos

Um meio para um fim

Tudo começou há 17 anos, uma das grandes paixões da minha vida. Na altura praticamente solitária, mas em gratidão foi partilhada pelos afortunados.

Sete curtos anos depois começaram os problemas, mas o amor falou mais alto e entreguei-lhE a minha alma. Mais afortunados chegaram e sentiram a magia. Passámos a palavra, partilhámos a gratidão.

No fim, quando restava apenas uma alternativa todos apareceram: vieram aliados, companheiros de viagens e alguns necrófagos, que trocaram ego por ego, aceitação por cobardia, subserviência por fama.

De entre os inertes e afortunados, permaneceram os saudáveis que foram coerentes com palavras, actos e emoções. Do princípio ao fim seguiram a mesma linha coerente.

O espírito da Cocovama está vivo e bem vivo.

Como diria este grande Senhor, esquecido por muitos mas não por todos: "Para não apanhar o vírus, o sistema imunitário deverá estar são". Resta a honra, dignidade e consciência tranquila.

Por Santa faremos tudo, mesmo tudo.

Bem hajam!